terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Obrigada Papai Noel!

Com certeza a pior parte de morar longe é perder momentos especias com as pessoas que amamos. Isso eu já sabia muito antes de vir pra cá. Por isso mesmo eu tinha receio que chegassem as festas de fim de ano, ainda mais depois de conversar com alguns brasileiros que já vivem aqui a algum tempo e todos sempre diziam: Ai, a pior parte é passar o natal sem a famíla. Pois bem, eu estava vendo o ano acabando, o recesso da faculdade se aproximando, todos planejando viagens, voltando pras suas casas. Karina indo pra China, Giselle pra Miami, Stefanie pra Itália, Mariana pro Brasil, César pra Áustria... e pra completar Márcio e Samara indefinidos sobre se iriam ou não pro Brasil também. O seaa: Clarinha triste e só em Barcelona.
Maaas, como eu fui uma menina boazinha em 2009, Papai Noel não esqueceu de mim e me deu um presentão: uma festa de natal com toda a minha família!! Com direito a fofocar com as primas, receber carão das tias, ver a carinha do primo que veio de longe, o tamanho do barrigão da prima grávida, jogar conversa fora, contar as novidades, desejar feliz natal a todos, rezar junto, cantar junto, assistir o coral natalino dos tios e tirar foto. Vejam só:

EU NO COLO DA MINHA IRMÃ. PRATICAMENTE A "LUCIANA" SENDO CARREGADA PELA FESTA.

Tudo bem, foi tudo virtual. Papai Noel ainda não inventou o teletransporte. Mas foi tããao bomm! Ter participado da festa dos Castelo Branco realmente deixou o meu natal com cara de natal. Meu coração ficou tranquilo e eu não me senti perdendo um momento, e sim participando dele de uma forma diferente. Pra mim ver a família reunida tem um sabor especial, não sei se porque eu nasci na casa do meu avô e me acostumei a ter aquele monte de gente em casa nos fins de semana. Eu era muito pequena, mas lembro que sempre esperava por esse dia em que os tios vinham e traziam os primos, a mesa ficava cheia de gente, o jardim não parecia mais tão grande nem tão solitário com crianças pra brincar nele. Por isso eu acho que dentre todos os meus primos eu sou aquela que mais curte estar nas reuniõezinhas dos tios, nem que seja um café na tia Alexandra, um almoço na tia Gueira ou uma tarde "dos véi" no Iate, pra ficar bem quietinha mesmo, só ouvindo e sentindo suas presenças.

Vejam como eu sou uma menina de sorte, o meu natal estava apenas começando. Eis que de repente, não mais que de repente, surgem dois programinhas incríveis pro fim de ano: Andorra e Andaluzia! Dessa vez o presente veio dos meus pais que mandaram uma graninha extra pra PAItrocinar as viagens.

Samara me liga dizendo que já tem reservas de hotel feitas, que nosso destino no natal é Andorra e que vai rolar minha estréia na neve e nos esquis. Então no dia 24 pela tarde partimos eu, Samara, Nelson, Giselle e a parafernalha pra esquiar (o Márcio infelizmente não pode ir com a gente, pois foi pro Brasil às pressas no natal pelo falecimento de seus avós). O Principado de Andorra fica nos Pirineus, cadeia de montanhas que delimita a península ibérica. É um micro-paísinho incrustado entre a Espanha e a França, a população fala um pouco de francês, um pouco de espanhol, um pouco de catalão e um pouco de português. Não existem trens que levam até lá, só se pode chegar de carro ou ônibus. Chegamos de noite debaixo de chuva (caracaaa, que karma que eu tenho!), como se já não bastasse o frio da montanha. Fizemos o check-in no hotel e saímos pra rua deserta, afinal era véspera de natal, em busca de uma lugarzinho gostoso pra fazer a nossa ceia. Jantamos, fomos à igrejinha da cidade assistir à missa do galo em catalão [!?] com direito ao coral das carolas desafinadinhas da paróquia cantando Plácida Nit (Noite Feliz) e uma canções natalinas mó engraçadas. Depois partir pra cama domir porque no dia seguinte as pistas de esqui nos aguardavam bem cedinho.

FOTO: NATAL ENTRE AMIGOS

FOTO: CEIA DE NATAL. PAGANDO MICO NO RESTAURANTE.

Gentee, eu vi neve! Muita neve!! Pela primeira vez, ela é muito mais linda e menos fria do que eu imaginava. Não que não seja congelante, mas eu me bato toda com o frio de Barcelona que não tem nem vestígio de gelo, então imaginava que a neve fosse totalmente insuportável. O dia tava lindo, um céu super azul, um solzão. Olhar ao redor e ver tudo coberto de uma massa branca é algo surreal demais pra uma pessoa que sempre morou num país tropical. Esquiar também foi um capítulo à parte. Depois de alugar meus esquis e vestir toda a parafernalha (malha, meia, calça, blusa, camisa, casaco, óculos, gorro, mochila, bota, esqui, palos, máscara, luvas... ufa!) tive as primeiras aulinhas ministradas pelos meus amigos experientes no assunto. No começo eu me senti um astronauta engessado e jurei que nunca ia sair do canto, mas até que acabei me saindo melhor do que eu pensava. No primeiro dia fiquei nas pistas de aprendizagem, caí poucas vezes, aprendi a frear, a fazer curvinhas de leve e voltei pro hotel q-u-e-b-r-a-d-a de tanto esforço.
No segundo dia de pistas o negócio foi um pouco mais aterrorizante. Os meninos resolveram que eu já estava preparada pra uma pista azul, ou seja, nível 2 de dificuldade. Pegamos um teleférico que levava a outro ponto da estação, bem mais alto. O tempo estava totalmente fechado, a gente mal conseguia enxergar a paisagem de dentro da cabine e percebemos que as cabines que voltavam vinham cobertas de neve. Começou a bater o nervoso. Quando chegamos na montanha não se via um palmo na frente do nariz, tinha uma placa advertindo risco de avalanche, pistas fechadas pelo mau tempo. Olhei pra baixo e percebi que a pista azul era mais inclinada do que eu pensava. Desci os primeiro metros praticamente rolando. Quase desisto de tudo, mas continuei graças ao meu instrutor oficial de esqui: Nelson e ao bom e velho mantra "vai, vai, deixa de besteira". No fim das contas deu tudo certo, zero classe, humilhada pelas crianças que passavam por mim com total velocidade, mas cheguei lá embaixo inteirinha e feliz. Ainda bem que eu fui, porque o visual da descida é liiindo, de tirar o fôlego e a sensação de descer a montanha de neve é libertadora. Á noite fizemos uma reuniãozinha do nosso quarto do hotel. Tomamos sangria juntos, comendo castanhas, frutos secos e chocolate.
O 3º dia em Andorra foi de passeio. Caminhamos um pouco por Meritxell, um lugarejo que tem um santuário em homenagem à santa do mesmo nome e por Andorra la Vella, cidade mais importante do principado, onde estávamos hospedados.

FOTO: TUDO BRANQUINHO.

FOTO: EQUIPADA E PREPARADA PRA ESTREAR NO ESQUI.

FOTO: SOCORRO!! NÃO QUERO MAIS BRINCAR DISSO.

FOTO: HUM! DELÍCIA!

FOTO: OS FLOQUINHOS DE NEVE DE ANÚNCIO NATALINO EXISTEM!


FOTO: MERITXELL.

Cheguei domingo a noite em Barcelona só o caco. Tive a segunda-feira pra desfazer e refazer a mala para a próxima parada: Andaluzia.
Dessa vez foi convite de um amigo andaluz que também está fazendo um master em Barcelona. Me convidou pra conhecer sua cidade, Sevilla e passar o ano novo na casa da sua irmã em Jerez. Ele foi incrível! Me levou pra conhecer muita coisa em pouco tempo, a família dele também foi maravilhosa, me recebeu com muito carinho. Aliás todos os andaluzes são muito simpáticos, muito abertos, um tipo bem peculiar de europeu.
Quando eu cheguei no aeroporto de Sevilla, adivinha o que tava acontecendo? O quê? O quê? Chuuuvaa!! Ê lêlê! Pior foi que dessa vez ela não passou nunca mais, foram 3 dias chuvosos, o sol só resolveu sair no dia 1º de janeiro. Debaixo de chuva caminhamos pelo centro de Sevilla, comemos tapas bem típicas em uns 3 lugares diferentes: pringá, jamón, morcilla, revuelto de huevos con patatas... visitamos prédios históricos e a noite fomos num banho árabe, que é algo bem típico, funciona como um spa com piscinas quentes, mornas, salgadas, geladas, você fica de molho um tempão, te fazem uma massagem, tudo isso dentro de um casarão árabe muito bonito, algumas piscinas são subterrâneas e tal. Aliás, Andaluzia tem uma influencia árabe fortíssima, principalmente na arquitetura. É muito engraçado, porque também é o lugar da Espanha que tem mais forte a cultura do flamenco, do jamón, da tourada. É a região mais "espanhola" da Espanha, onde se come divinamente bem, se bebem vinhos maravilhosos, onde as ruas são cheinhas de laranjeiras.

FOTO: SEVILLA E SUAS LARANJEIRAS.

No dia seguinte pegamos a estrada pra Córdoba, mais ou menos uma hora e meia de Sevilla. Outra cidade linda, ainda mais árabe. Almoçamos num restaurante maravilhoso: El Caballo Rojo. Comi o salmorejo, que é uma versão andaluza do gazpacho, uma espécie de sopa cremosa de tomate que se serve fria, comi também umas berinjelas com uma casquinha super crocante, como a dos empanados chineses, servida com mel por cima e como prato principal um bacalhau incrível. Depois passeio pelo centro histórico. Visitei a antiga mesquita e atual catedral de Córdoba. Uma verdadeira loucura, enorme, com partes restauradas como originalmente era a mesquita e outras partes já com a influência católica na arquitetura. Ou seja, tem umas naves minimalistas, outras cheias de grafismos árabes, outras totalmente barrocas, é como se existissem vários templos dentro de um. Em Córdoba visitamos ainda uma tetería (ou casa de chá) árabe. Apesar de ser um ambiente árabe eu me senti tomando um "tchai" no Caminho das Índias, só faltou a Maya me servir e alguém fazer uma dancinha. O chá era divino, leite com especiarias, e os doces também, típicos árabes com massa folheada, castanhas, mel, pistache. Humm! O céu começou a desabar, uma tempestade com chuva, torvão, relâmpago e tudo que tem direito, tivemos que voltar pra Sevilla e eu deixei em Córdoba muitas coisas ainda por conhecer.


Dia seguinte: pé na estrada outra vez. Jerez! Esta cidade pertence à província de Cádiz, já está bem no litoral e é mundialmente famosa pelos seus vinhos. Aliás existem casos ligados à publicidade dos vinhos que são bem interessantes. Uma das marcas de vinho começou a fazer publicidade nas estradas, colocar placas enormes, sem o nome da marca, somente o ícone que é um touro preto. Essas placas ficaram tão características da região e depois de toda Espanha, que se tornou um ícone nacional. São placas protegidas pelo estado. Existem outras marcas que fazem o mesmo, com um toureiro gigante por exemplo, mas o touro é tão, tão famoso que até a gente aí do Brasil reconhece ele como um símbolo do país. A estrada, que já é linda, fica ainda mais bonita com esses touros espalhados pelos campos.

FOTO: TORO DE OSBORNE.

Jerez também tem igrejas lindas, arquitetura linda, uma influência árabe um pouco mais moderada, ruínas de muralhas romanas, mas o que me marcou nesse lugar foram as pessoas. Eu tava assim mega-sem-jeito de passar a noite do reveillon com uma família que não conhecia, mas só vendo pra crer na receptividade e educação dessas pessoas. Todos queriam que eu provasse de tudo, conhecesse tudo, queriam que eu falasse coisas do Brasil, elogiaram meu espanhol, meu inglês, minha simpatia [!?], o dono da casa me levou no porão pra que eu provasse o autêntico vinho de jerez que ele tinha armazenado num barril cheio de cuidados, enfim, uns fofos! Assim sendo, minha virada de ano foi super agradável. Um jantar numa mesa linda, enorme, cheia de comida, muitas completamente novas pra mim. Uma variedade de mariscos enorme: almejas, moluscos, mexilhões, percebes, caranguejo, camarão, lula, salmão... além do pato, das tortillas, dos canapés, da morcilla, do jamón. Morri de tanto comer! Na hora da virada a tradição: 12 uvas, uma para cada badalada. "Clara, no Brasil se comem as uvas?" sim, mas são só 7. "E o que as pessoas fazem no resto das badaladas?" Hahahaha!! Os pobres não entenderam nada de porque 7 e não 12, e porque elas não tem relação com as badaladas, e quando eu falei das 7 ondas então.. aí embaralhou geral. Eles já imaginaram a gente pulando a onda e comendo a uva ao mesmo tempo. O mais estranho é que na meia-noite, hora em que aí no Brasil tá todo mundo gritando, se esgoelando, os fogos truuando, aqui tá todo mundo em silêncio absoluto, com a boca cheia de uva, muito concentrado no som das badaladas.


FOTO: JEREZ E SUAS MURALHAS.

FOTO: CEIAZIEENHA DE ANO NOVO.


VÍDEO: ESPERANDO A MEIA-NOITE E AS 12 BADALADAS.

Depois do jantar a "ala jovem" da festa partiu pra Puerto de Santa Maria, uma praia pertinho, equivalente ao nosso Porto das Dunas, cheia de casas de veraneio incríveis. Deixamos as coisas na casa de praia e fomos pra uma festa na casa de um amigo do pessoal e depois pra uma disco no centro. A festa foi até as 9h da manhã.
Acordamos às 2h porque ainda ia rolar em um restaurante o almoço do dia do santo do pai e do sobrinho do Pablo. Como assim? Pois, aqui as pessoas comemoram o Santo. Funciona como o seu aniversário, todos te dão presentes, te parabenizam, mas na verdade é o dia do Santo que tem o seu nome. No caso o nome dos dois era Manolo (o equivalente a Manuel), e eu jamás sabia que existe esse santo e ainda por cima que o dia dele é 1º de janeiro. Maaais comida, maais vinho. Um leitão, tipo o nosso à pururuca, mas com a carne de porco mais macia e saborosa que eu ja provei, desmanchando mesmo. Avestruz com um molho de queijo, morcillas e mais morcillas, legumes. Pra fechar uma crema catalana: uma papinha de baunilha com açúcar derretido por cima. Voltando do restaurante a família decidiu que tinha que tomar uma caipirinha pra homenagear a brasileira. Paramos num barzinho bem legal e tomamos uma caipiríssima (feita com rum, na falta da cachaça), avisaram pro garçon que eu era brasileira e ele ficava se justificando o tempo inteiro pela falta da cachaça, pra saber se eu tinha aprovado. Hahaha! Mega-especialista em caipirinha, eu, né?! Antes de pegar a estrada de volta pra Sevilla o povo da casa tava fazendo sanduíches de jamón pra gente. Socorroo! Não cabe mais comida! Mas eles insistiram tanto que a gente acabou levando pra comer no caminho. E aí estrada, dormir, aeroporto, avião, aeroporto, trem, metrô e hogar, dulce hogar.

Assim foram as minhas festas. Cercada de amigos, de gente atenciosa e simpática. Conhecendo lugares e sabores novos, experiências novas. Melhor não poderia ter sido. Papai Noel caprichou.