sexta-feira, 21 de maio de 2010

Quase tudo são flores.

Viver as quatro estações do ano é algo completamente novo pra mim. Pra quem vive perto da linha do equador e está acostumado com a regularidade do clima, da posição do sol, da lua, das estrelas, do vento, das marés e da luz em determinados horários, saber que a cada dois ou três meses vai mudar tudo de lugar é meio louco. Meio-dia o sol vai estar no alto e as sombras somem, certo? Doce ilusão. Aqui tudo isso é relativo. Depois de um tempo eu resolvi me desligar das minhas referências naturais e a confiar apenas no relógio e no weather channel.

A chegada da primavera é uma das partes mais gostosas de viver na parte temperada da terra. O incomodo frio do inverno vai dando lugar ao clima agradável, com brisa fria e sol quentinho. As árvores nuas começam a cobrir-se de pequenas folhinhas verdes e, claro, de flores! Lindas, coloridas e delicadas flores. Além disso, as pessoas começam a serem contagiadas pela mudança. Saem mais de casa, colocam mais cor nas roupas que usam. É tempo de se jogar nos gramados dos parques, sentir que os dias vão pouco a pouco ficando mais longos e as noite mais curtas.
Não é a toa que em Barcelona acontecem vários eventos de boas-vindas à primavera, alguns organizados pela prefeitura, outros por empresas, ou pelas pessoas mesmo. Então, uma das minha companheiras de master, Teresa, a catalã, resolveu fazer na sua casa uma festinha dessas. Ela fez um convite todo bonitinho e publicou no facebook. Os convidados deveriam trajar algo com flores e, como fica implícito em qualquer reuniãozinha em casa de alguém, levar sua bebidinha. Mas a Tere foi super caprichosa. Ela mora sozinha em apartamento bem legal na Aribau, 55. Decorou o ambiente com flores de papel, velinhas e fez uma iluminação toda especial. A festa foi bem divertida, regada a muito ron. Conversamos e dançamos a noite toda e depois de borrachitos esticamos a festa pra casa do Cesar, onde uma boa parte do grupo seguiu con los bailes y, por supuesto, con el ron.

Aliás, o novo apartamento do Cesar é um capítulo a parte. Cesar, meu companheiro de master já apresentado em posts anteriores tinha acabado de se mudar para o seu 3º lar em apenas 6 meses. Quando chegou aqui ele morava com um amigo e mais um casal, todos venezuelanos. Depois ele teve um pequeno atrito com eles e se mudou para um apezinho para morar só, mas pagar um aluguel sozinho em Barcelona é um pouco pesado. Então um amigo caraquenho dele estava procurando piso, quando apareceu mais um outro caraquenho na jogada e de repente estavam os 3 venezuelanos dividindo o apartamento mais looouco de Barcelona: o Girona, 175. Logo de cara "Los Danieles", os novos companheiros de piso dele, nos caíram super bem e viraram amigos de várias aventuras. Entre as peculiaridades do apartamento estavam a própria arquitetura dele, com corredores escondidos e portas secretas, e o fato de ele se localizar em cima de um cinema, então os meninos as vezes recolhiam o material que ia pro lixo pra decorar a casa. As paredes eram cheias de lindos rolos gigantescos de filme, plaquinhas de metal com setas que diziam: sala 2. Quando eles se mudaram também encontraram uns objetos estranhos como uma algema de pelúcia e um pé de uma bota de salto alto também de pelúcia que obviamente eram parte da decoração. Melhor ainda ficou depois da festa de aniversário de um dos Danieles, o Slikas, que foi à fantasia e várias partes das fantasias dos convidados se agregaram ao apartamento: cartas de baralho, perucas, chapéus, nariz de palhaço, globo de espelhos, etc. Os meninos além de simpáticos, são muito receptivos, então a casa deles está sempre cheia, seja de hóspedes ou visitas. Qualquer coisa em Girona, 175 termina em festa e em Arepas.
Asterisco em Arepas? Pois bem, é uma prato típico venezuelano. Uma massinha de farinha de milho que se assa ou frita, corta ao meio e recheia com queijo, presunto, manteiga, perico (ovos com tomate e cebola), carne, frango, jamón serrano, atum ou o que a sua imaginação quiser. Minha nova paixão!

FOTO: AGORA DÁ PRA ENTENDER OS EUROPEUS. TOMAR UM SOLZINHO NO PARQUE É O QUE HÁ.

 
FOTO: FLORES NO CABELO.

FOTO: PARQUINHO NA PRAIA. COMENDO NUVENS.

 FOTO: ADEUS CAFÉ, CHÁ E COISAS QUENTES. COM PABLITO, TOMANDO SORVETE SOBRE NOSSOS DESENHOS COLORIDOS.

 
FOTO: FESTA DE BOAS-VINDAS À PRIMAVERA.

 FOTO: AREPAS NA INAUGURAÇÃO DO GIRONA, 175.

Foi no início da primavera também o meu primeiro contato com a areia da praia. Foi interessante descalçar botas e meias e sentir a areia gelada. Areia gelada?! A cearense acostumada a tostar os pés na praia ficou chocada ao constatar que isso existe. E mesmo com um lindo sol brilhando. Nessas épocas a praia é super tranquila, funciona mais como um ponto de encontro onde a galera leva uma esteira e bebida com os amigos ou simplemente lê um livro, ouve música. É engraçado olhar pra areia e só ver gente vestida, muitas vezes com bota, cachecol, pegando um solzinho quentinho pra amenizar a brisa gelada. Mas claro, sempre tem doido em traje de banho, entrando no mar congelante ou, como todo europeu, obcecado por pegar uma corzinha não importando ter que sofrer com a temperatura pra isso.

FOTO: LOOK PRAIA.

 FOTO: FIM DE TARDE COM A GALERA NA BARCELONETA.


FOTO: RELAX. 

FOTO: NO TRANVIA DE BARCELONA CURTINDO A CIDADE.

FOTO: CLARA E FLOR. O TERROR DAS PALOMAS DA PLAÇA CATALUNYA.

No dia 23 de Abril se comemora o dia de Sant Jordi, uma das datas comemorativas mais importantes da Catalunya. Dia de celebração do catalanismo nas ruas. Listras vermelhas e amarelas espalhadas por todos os lados e, como manda tradição, dia de presentear as mulheres com rosas vermelhas e os homens com livros.
São Jorge, tão místico no Brasil, aqui é um cavaleiro romântico. Reza uma das inúmeras lendas que ele matou o dragão pra salvar a filha do rei, e que no lugar do sangue derramado nasceram rosas vermelhas. Além disso, uma antiga feira de flores que acontecia nos tempos medievais nessa mesma época do ano deram origem à essa tradição de regalar flores. Muitos séculos depois foi instaurado na mesma data o Dia do Livro, pois 23 de abril é a data de morte de Shakespeare, de Cervantes e de outros escritores famosos; então o dia de Sant Jordi absorveu essa comemoração.
Mesmo sem ser feriado [!] as ruas são cheias, as Ramblas então nem se fala, totalmente ocupadas por banquinhas de livros e de flores. Na Plaça Sant Jaume, onde está o Palau de la Generalitat e o Ajuntament, sedes do governo catalão e da prefeitura de Barcelona, respectivamente, se concentra o núcleo da festa. Tem multidão, flores, livros, bandinha e gente dançando a Sardana, que com todo o meu respeito e carinho aos catalães, é a dança típica mais sem graça do mundo. Pense aí: uma roda, todo mundo de mãos dadas e levantadas dando pulinhos sem sair do lugar e na hora em que você acha que a coisa vai começar de verdade eles gritam: Hey! e acaba.
Nesse dia o Palau de la Generalitat abre as portas para visitação. É a única oportunidade do ano pra visitar o palácio, então o núcleo luso-brasileiro (leia-se eu, Mari e Marina) resolveu enfrentar uma filinha e ir conhecer a sede do governo por dentro. É um enorme edifício gótico do século XV cheio de salas com estilos bem diversos, afinal ao longo de tantos anos muitas interferências foram feitas no palácio. Dá pra visitar até o gabinete do presidente, além de uma assembléia e a capela Sant Jordi.
Depois da visita me uni as minhas compis pra continuar o passeio pelo bairro gótico e terminamos comendo um shawarma na Plaça Reial, onde a China ganhou uma rosa do garçom. Pelo menos alguém se deu bem no, como dizem por aí, Valantine's Day da Catalunha, né?


FOTO: ROSAS BEM ORIGINAIS PARA O DIA DE SANT JORDI.

 FOTO: MARINA E MARI NA VISITA AO PALAU DE LA GENERALITAT.

 FOTO: CAPILLA DE SANT JORDI

FOTO: DANÇANDO A SARDANA EM JAUME I.


Também durante a primavera acontece uma exposição de flores na cidade de Girona, a Temps de Flors, que nem de longe se parece com uma feira de agricultores. É uma verdadeira exposição de arte a céu aberto. Vários pontos do centro histórico são transformados por artistas plásticos, designers e arquitetos, decorados com flores naturais e de inúmeros materiais formando instalações lindíssimas.
Nos juntamos, eu, Flor, Kari, China, Bia, Lili, Gema, e, munidas de sanduíches e sucos, tomamos o trem  na estação de Sants rumo ao norte. Era um dia de domingo, e além de haver muita gente indo visitar e expo em Girona este era o dia do GP de Fórmula 1 de Barcelona, que acontece em em Montmelo, entre Barcelona e Girona. Os trens estavam bem cheios. Muita gente com suas camisas da Ferrari, o que sinalizava que a grande massa iria ficar pelo meio do caminho.
Minha primeira passagem por Girona tinha sido na visita das Castelo. Bem corrido, já num fim de tarde e com clima frio. Dessa vez a cidade estava bem diferente. Recebemos um mapa do centro histórico com vários pontinhos indicando as instalações da Temp de Flors. Tudo lindo e encantador. Tinha escadarias cobertas por tapetes de flores; flores formando objetos, móveis, ambientes, penduradas nas janelas; flores de papel, de madeira, de plástico. E tudo isso não só no meio da rua. Tinham instalações nos parques, dentro e fora das igrejas, dentro de casas, em terrazas, no riacho que cruza a cidade, nas praças, nos jardins e até em vitrines de lojas. Uma das instalações era obra de alunos da UPC, e tínhamos uns amigos arquitetos brasileiros que participaram do projeto. Mas eram tantas instalações que nem temos certeza se passamos pela deles. Lá, encontramos a Teresa, a mesma catalã da festa primaveral. Ela é natural de Girona e estava na cidade passando o fim de semana com a família. Nos guiou pelos pontos em que ainda não havíamos passado. Mostrou algumas partes da cidade que serviram de locação para o filme O Perfume, a ponte Eiffel (projetada pelo mesmo amiguinho da torre mega-famosa) e contou um pouco mais sobre o que víamos. Comi os melhores churros cobertos com chocolate da minha vida, um sorvete quase igualmente maravilhoso e uma chuvinha primaveral de fim de tarde resolveu aliar-se ao nosso cansaço e convencer-nos a voltar pra casa.
Quem tiver interesse em conhecer essa linda, encantadora e surpreendente cidade de ares medievais, eu super-aconselho o período da exposição.


FOTO: TEMPS DE FLORS. BALCONES & GÉRBERAS.

FOTO: MAIS CORES NO JARDIM. 

FOTO: QR CODE FORMADO POR FLORES. PENA QUE EU NÃO TINHA SMARTPHONE PRA VER O QUE FORMAVA.

FOTO: FLOR E FLORES.

 FOTO: ROSAS ROJAS.

FOTO: BARRIS QUE VIRAM FLORES.

FOTO: PONTE EIFFEL. 

 FOTO: MAR DE ROSAS. OPS, MARGARIDAS.

FOTO: ISSO SIM É UMA TOALHA CHEIROSINHA. 

FOTO: TREM LOTADO? A GENTE VAI NO CHÃO.

FOTO: CON MI CHINIX EN EL TREN, DESTROZADA.


Todo ano acontece em Barcelona a Nit dels Museus. Ou seja, uma noite em que praticamente todos os museus e espaços culturais da cidade ficam abertos durante a noite e entrando madrugada adentro. Alguns museus preparam programações especiais para esta data, e tudo isso totalmente grátis.
Esse ano aconteceu no dia 15 de maio. Vi o site do evento, fiz a lista dos museus que queria visitar, mas na hora acabei indo a outros totalmente diferentes. É uma verdadeira maratona, porque nem todos os museus ficam próximos uns dos outros e as filas são bem grandes. Então não dá pra perder muito tempo com deslocamento. Fui para a Plaça Catalunya, ponto central da cidade, e me encontrei com as brazucas Ju e Miri para visitar o espaço cultural da Caja Madrid, que estava com uma exposição bem interessante sobre lares. Em seguida fomos ao Museu Picasso, pois havia uma apresentação na terraza do museu de misturava projeções de vídeo. um DJ tocando e uma cantora.
Já que em frente ao Picasso fica o Disseny Hub e a fila não estava tão grande, entramos pra conferir, e, ao ir ao banheiro constatamos que este museu e seu vizinho, o Museu de Arte Pre-colombiana dividem os mesmos banheiros. Passamos pro museu ao lado sem pegar fila e economizamos um bom tempo. Isso nos rendeu tempo pra atravessar a Ciutat Vella caminhando e chegar ao MACBA, o Museu de Arte Comteporânea de Barcelona. Que apesar de enorme estava beeem cheio. Na programação do MACBA tinha uma visita guiada que propunha uma nova forma de se visitar uma exposição, ou seja, transformar-se em uma obra de arte contemporânea.

 FOTO: LA NIT DELS MUSEUS E UMA FILINHA BÁSICA NO MUSEU PICASSO.

FOTO: MIRI, EU E NOSSAS BESTEIRAS. ACHO QUE SAÍ MELHOR QUE O PICASSO.

 FOTO: VIRANDO OBRA DE ARTE NO MACBA.

FOTO: ARTE CONTEMPORÂNEA EFÊMERA.


FOTO: É PEDRA! UMA DAS SALAS DO MACBA.

Quer dizer que a primavera é só flores?? Infelizmente não. A parte chata é que nessa época do ano também costuma chover bastante, além da polinização que de tão forte causa muita alergia. A combinação chuva + polinização acaba deixando um monte de gente alérgica, gripada, com todas as "ites" que se tem direito. Até eu que sou relativamente resistente tive uma inflamação nos gânglios, uma amigdalite me derrubou e me deixou mais de uma semana de cama no fim da estação. Muita dor, mal estar. Em alguma hora a gente tem que usar o seguro-saúde, né? Consulta, médico, hospital, antibiótico... a conclusão que eu tiro desse período chato é: só a nutella salva.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Vous parlez français?

Deixe que digam, que pensem, que falem. Deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem? Eu não tô fazendo nada, você também. Que tal alugar um carro e viajar pro sul da França?

Então... recesso da semana santa chegando, nada pra fazer. Inventamos uma viagem assim, sem muito planejamento nem muitas expectativas pro final de semana. Averiguamos na internet o preço de um carro e de uma noite de hostal, algumas informações básicas sobre as cidades da região e com a ajuda de um GPS tomamos a estrada rumo à fronteira. Viajantes: Clara, Karina, Flor, Stefanie e Pablo, este último mais conhecido como 5ª integrante por sempre acompanhar nosso quarteto. Saímos cedinho de Barcelona, com sanduíches, suquinhos e muffins pra comer no caminho, super-empolgados com a idéia de sair do país.
A estrada no norte da Catalunha é bem tranqüila e bonita, em pouco tempo já se podia avistar a cadeia de montanhas que divide os países: os Pirineus. Estavam com os picos branquinhos de neve. Impressionante como em apenas 3 horas de viagem já estávamos em um lugar novo, com uma língua totalmente diferente, cultura diferente, marcas diferentes nas lojas de conveniência. Aproveitei os pits stops pra gastar todo o meu vasto conhecimento em francês, que se resume a oui, bonjour, sil vous plait e merci. É até divertido estar em um lugar onde você não entende praticamente nada do que as pessoas falam, parece outra dimensão. Aos poucos você vai coletando palavras e expressões que soam familiares, completando com pouquíssimas peças o quebra-cabeça que é comunicar-se.

FOTO: FRONTEIRA ESPANHA-FRANÇA

Outras mudanças são perceptíveis depois dos Pirineus: as estradas são mais largas, cheias de vinhedos, a quantidade de castelos aumenta em progressão geométrica, o nível dos carros que circulam sobe - Ferrari faz lama - e o preço dos pedágios são feitos pros donos desses carros.
Depois do lindo percurso chegamos ao nosso primeiro destino, Montpelier. Linda, linda!! Logo de cara nos deparamos com uma umas torres maravilhosas que pareciam ser de uma igreja, mas estavam numa ruazinha lateral na qual o carro não podia entrar, e estacionar carro na Europa é uma tarefa meio complicada. Observando melhor pela janela do carro a China anuncia: "geeente! Essa é a faculdade onde estudou o Nostradamus, eu tinha visto uma foto por internet." Então tá, vamos parar. Encontramos uma vaga para deficientes bem na entradinha da rua e concordamos em parar, descer pra tirar umas fotos e voltar rapidinho. Ok, já deu pra entender o final da história né? Nos encantamos com o lugar, tiramos 91327612987 fotos, acabamos entrando na igreja, e enquanto Pablo e China, como bons arquitetos que são, discutiam se a igreja era gótica, românica ou neo-qualquercoisa, eu e as girls nos lembramos do carro e começamos a caminhar em direção à vaga. Aí estavam os dois guardinhas franceses com seus bloquinhos. Aaargh! Intervimos, tentamos falar em algum idioma compreensível, fizemos gestos, explicamos que éramos turistas, que não sabíamos nada, que tivessem piedade de nós, mas não adiantou. 120 eurinhos de multa por estacionar em local proibido. Ainda sem entender muito bem examinamos o papel e concluímos que teríamos que pagar na mesma hora, senão a multa ia por correio e valeria quase o dobro do valor. Ê-laiá! Bem-vindos à França! Agora pense aí.. onde paga esse diabo? que p#@ra tá escrito nesse papel? quem demônios vai explicar alguma coisa pra gente? Seguindo o nosso instinto e o papel da multa fomos parar na polícia. No balcão uma moça. Inglês? Espanhol? Português? Cabeça da moça balançando horizontalmente e o desespero batendo. Mostramos o papel e ela e ouvimos atentamente a resposta. Aliás, olhamos atentamente a resposta e concluímos que teríamos que pagar em uma loja de Tabaco. Loja de Tabaco?? Whatahell?? Blackberrys em ação procurando endereços de loja de tabaco em Montpelier e GPS indicando o caminho.

Um parêntese pro nosso GPS que tinha uma voz feminina e falava mais do que devia. Ainda na estrada depois de ela dizer: "gire-a-la-derecha-y-siga-doscientos-y-cincuenta-kilometros", no meio da reta era mudava de idéia: "recalculando". Falava tanto que ganhou um nome. Batizamos de Lola.

Voltando à multa. Imagina aí 5 pessoas ansiosas por conhecer uma cidade e tendo que procurar uma loja de tabaco numa cidade pequena num dia de sábado à tarde, quase tudo fechado, sem poder pedir informação, com a Lola recalculando o caminho a cada esquina. O stress já estava tomando conta do nosso motorista nervosinho, Lola estava levando a gente pra uns lugares muito esquisitos, tipo uma zona industrial onde não havia absolutamente ninguém. Chegamos no suposto endereço da loja de tabacos e vimos um portão aberto com um estacionamento e um galpão com uma porta aberta que parecia ser um comércio. Descemos do carro eu e Kari quando entramos vimos que era um restaurante, bem grande, iluminado, com música ambiente e ninguém dentro. N-I-N-G-U-É-M. Nos entreolhamos, olhamos outra vez pro balcão pra ver se não vinha ninguém e começou a soar uma sirene super forte dentro do restaurante. A Kari grita: "Mieeeeerrrrrda! Vamonos de aqui ya!" Pense na carreira até o carro! Eu já tava esperando o mascarado com a serra elétrica, o gancho, ou o machado. Terror total.
Enfim, percebendo que desse lado da cidade a gente nunca ia encontrar uma loja de tabaco, seguimos em outra direção até que vimos uma de relance na rua perpendicular. "Páaaara o caaaarro e fica aí que a gente já volta" Eu e Kari outra vez entramos na bendita loja de tabaco, mostramos a multa pro moço que tentou explicar algo pra gente. Eis que surge uma cliente francesa que arranhava muito levemente o castellano e salvou nossa vida. A gente tinha que pagar ali mesmo, selar a multa e colocar numa caixa de correio. Ufa! Capítulo multa concluído. Montpelier aí vamos nós!

FOTO: MONTPELIER.

FOTO: FELIZES DA VIDA E SENDO MULTADAS.

FOTO: APONTANDO PRO CÉU.

FOTO: COMEÇANDO A MARATONA DA MULTA.

Estacionamos o carro bem direitinho dessa vez num estacionamento subterrâneo e baixamos as ruas do centro caminhando. A cidade é algo cenográfico. Nem muito grande, nem muito pequena. Um povoado do sul da França mas com uma sofisticação de cidade grande. Mais ou menos como uma mini-paris. Nos montamos num lindo carrossel de rua, passeamos por uma feirinha de livros usados ao ar livre, comemos crepes nas mesinhas charmosas dos cafés, andamos por uma rua de lojas muito lindas, babamos numa vitrine da Godiva, nos encantamos com as tulipas da floricultura. Tudo, muito, muito francês. Caiu a noite, hora de ir embora. Saindo da cidade passamos pela rua onde havíamos sido multados e reconhecemos o lugar: "Olhaí, agora tem várias vagas." Olhando outra vez, adivinha o que havia exatamente em frente à vaga de deficientes? Uma loja de Tabaco!!!!!!! Como dizem aqui: Puuuutos Franceses!!!! Nem pra fazer uma mímica pra facilitar nossa vida, dar alguma orientação. Respira fundo e segue.

FOTO: BOOKSELLING.

FOTO: NO MEU CAVALO BRANCO.

FOTO: CARROUSSEL.

Partimos pra Carcassone, lugar onde tínhamos nossa reserva de hostal. O hostal era um desses de estrada, igualzinho dos filmes. Mascarado-com-machado-feelings outra vez. Hehehehe! Principalmente porque quando chegamos já estava bem tarde, só se viam os carros estacionados, fizemos o check-in através de máquinas. Acomodamos as malas e pegamos o carro pra ir até Carcassone de verdade. A visão era de fazer esfregar os olhos e olhar outras vezes até acreditar. Um castelo, lindo, perfeito! Um conto de fadas da Disney de verdade, com aquelas torres exatamente como a gente imagina um castelo, aquele muro com aquela forma exatamente com a gente imagina um castelo, aquele fosso que a gente sempre imagina que tem um castelo, aquele portão que eleva, aquelas grades de ferro... eu nem me surpreenderia se tivesse um dragão dormindo na entrada. Outra vez ninguém nas ruas. Uma lua cheia no céu, uma iluminação linda. Subimos caminhando por entre as muralhas e passando por diversos portais eis a surpresa: dentro da muralha não havia só um castelo, havia uma cidade. Casinhas e casinhas, algumas lojinhas e restaurantes fechados ou fechando. Eu conseguia quase enxergar os campesinos passando com as carroças, os vestidos longos das mulheres, soldados...
Quase ninguém, silêncio total. Encontramos pracinhas, escadarias, poços eeeee um bar aberto! Iupii! Entramos e fomos recebidos pelo garçom mais bêbado da história dos bares do mundo. Tão bêbado que entendeu tudo o que a gente queria, perguntou de onde a gente era e depois da resposta começou a gritar: "Barcelona!! Clap, clap, clap! Barcelona!! Clap, clap, clap!" Pedimos um vinho e uma tábua de queijos, mais deliciosos impossível. O clima estava perfeito, o lugar parecia perdido dentro do castelo mágico, da noite mágica. Pedimos outra garrafa de vinho, e outra e a coisa foi animando. Eis que começa a tocar algo parecido com uma salsa e a Kari resolve ensinar o Pablo a dançar. Um senhorzinho da mesa de italianos se empolga e levanta, puxa uma pra dançar, puxa a outra, puxa duas ao mesmo tempo, depois as outras duas. Em pouco tempo tava todo mundo dançando no barzinho mínimo. Como o aniversário da Kari estava chegando e o Pablo iria viajar nessa data, ele teve a brilhante ideia de ir até o balcão e voltar com cinco copos de caipirinha para comemorar por antecipação. Tomamos a tal caipirinha e a mistura com o vinho foi explosiva, nos 'emborrachamos' instantaneamente. O garçom, que estava a anos-luz na nossa frente, fechava a conta de outras mesas e trazia pra nossa a cerveja que deixavam. Nesse momento Flor Maria, que acabava de chegar da Venezuela com uma auréola na cabeça, já estava brindando de cinco em cinco segundos. Quebrou umas três taças com a delicadeza dos brindes, e sempre que via que eu tava rindo do seu grau de alcoolismo ela colocava o dedinho nos lábios e fazia: ssshhhhhh! Como quem diz "fica só entre nós". A Chinita até bêbada é natureba, tava roubando umas bananas que estavam fazendo Deus-sabe-o-quê na janela ao nosso lado. De repente Flor se dá conta da existência de uma mastro de pole dance no meio do bar. Ai papai! A menina sobre e começa a descer girando, a China se empolga e vai junto, o Pablo se mete no meio pra ajudá-las a subir. Eu a Kari, as únicas ainda em condições de vida a morrer de rir e a fotografar a cena - Hora de ir embora que o bar vai fechar - fui ao banheiro antes de sair, e de repente escuto umas batidas na porta. Era a Karina: "Clarita, vamonos!" me diz ela com um riso meio desesperado, "Clarita, apurate que esta pasando algo aqui afuera". Quando eu saí não acreditei no que eu vi. O garçom estava completamente nu correndo pelo bar. China só fazia rir e posar ao lado do peladão pras fotos que o Pablo tava tirando. Eu e a Kari tiramos de uma vez os loucos do bar, aos gritos, com medo do louco pelado. Descemos as ruazinhas de pedra na maior risadaria do mundo, no meio do caminho encontramos dois madrilenhos escritores e viramos melhores amigos por dez minutos. Olhamos pra lua linda e cheia iluminando a cidade medieval totalmente escura e silenciosa. Simplesmente mágico.
Na volta pra casa a Karina foi dirigindo porque nosso Pablito estava em zero condições. A China já estava enjoando, enquanto tirávamos o carro da vaga ela corria feito uma louca pra lá e pra cá pra não enjoar de vez. Eu fui no banco de trás entre meus dois borrachitos, Pablo e Flor, tentando manter-los acordados. E eu não sei se a Lola tinha bebido algo também, mais o fato é que em algum momento caímos numa estrada de areia dentro de uma campo de trigo e ela não parava de recalcular o bendito caminho de volta. A noite em uma palavra: surreal.

FOTO: NO CONTO DE FADAS.

FOTO: QUEIJOS E VINHOS.

E VINHOS

E VINHOS

E VINHOS


Acordamos no outro dia relativamente cedo, mas com uma baixa: Chinita. Nossa ferida de guerra já teve hepatite e não pode beber muito porque acaba se sentindo muito mal. Pablo e Flor foram até uma farmácia comprar dramim. Mas como seria mesmo dramim em francês? "Ah, sei lá. Diz a composição química que com certeza eles sabem. É diminidrinato." Meia hora pra decorar: Di-mi-ni-dri-na-to. Voltaram um tempão depois com as mão vazias. Os puuuuutos franceses não só não entenderam o que era diminidrinato, como também não quiseram entender as mímicas pra ressaca, não deram nenhuma sugestão de nada. Eu ainda ofereci uma das bananas roubadas que encontrei na minha bolsa, mas a China só queria água e nada mais. Partimos pra Toulouse com ela bem caladinha no carro, pedindo pra parar cada vez que enjoava.

Toulouse é uma das cidades mais importantes da França, uma das maiores da região sul. Com um centro de estudos espaciais, sede da Airbus, além de ser um ponto importante da peregrinação de Santiago e de receber muitos turistas. É conhecida como a cidade cor-de-rosa, pela cor das construções, que são quase todas em tons de rosa e alaranjado. Caminhamos pelas ruas e vimos os canais. O domingo estava ensolarado e muitos franceses estavam nos gramados tomando um solzinho. Depois de uma maçã verde a China já estava mais disposta e feliz, saímos fotografando tudo, rindo de tudo. Eu aproveitei pra provar uma das especialidades gastronômicas de Toulouse, o Cassoulet, que é uma espécie de feijoada feita com feijões brancos e que leva além da carne de porco, carne de pato. Delícia!! Mas vou dizer, o Cassoulet do tio Pedro não deixa a desejar em nada pro original.

FOTO: PRONTA PRA VIAJAR.

FOTO: TOULOUSE.

FOTO: NA PRACINHA.

FOTO: CASSOULET.

FOTO: MY GIRLS.

FOTO: VENDO A CIDADE COR-DE-ROSA.


Depois da comidinha tomamos nosso rumo a Barcelona guiados por Lola, felizes de aproveitar tão intensamente dois dias. Uma viagem linda como não pode deixar de ser uma viagem à França, n'est-ce pas?