quinta-feira, 20 de maio de 2010

Vous parlez français?

Deixe que digam, que pensem, que falem. Deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem? Eu não tô fazendo nada, você também. Que tal alugar um carro e viajar pro sul da França?

Então... recesso da semana santa chegando, nada pra fazer. Inventamos uma viagem assim, sem muito planejamento nem muitas expectativas pro final de semana. Averiguamos na internet o preço de um carro e de uma noite de hostal, algumas informações básicas sobre as cidades da região e com a ajuda de um GPS tomamos a estrada rumo à fronteira. Viajantes: Clara, Karina, Flor, Stefanie e Pablo, este último mais conhecido como 5ª integrante por sempre acompanhar nosso quarteto. Saímos cedinho de Barcelona, com sanduíches, suquinhos e muffins pra comer no caminho, super-empolgados com a idéia de sair do país.
A estrada no norte da Catalunha é bem tranqüila e bonita, em pouco tempo já se podia avistar a cadeia de montanhas que divide os países: os Pirineus. Estavam com os picos branquinhos de neve. Impressionante como em apenas 3 horas de viagem já estávamos em um lugar novo, com uma língua totalmente diferente, cultura diferente, marcas diferentes nas lojas de conveniência. Aproveitei os pits stops pra gastar todo o meu vasto conhecimento em francês, que se resume a oui, bonjour, sil vous plait e merci. É até divertido estar em um lugar onde você não entende praticamente nada do que as pessoas falam, parece outra dimensão. Aos poucos você vai coletando palavras e expressões que soam familiares, completando com pouquíssimas peças o quebra-cabeça que é comunicar-se.

FOTO: FRONTEIRA ESPANHA-FRANÇA

Outras mudanças são perceptíveis depois dos Pirineus: as estradas são mais largas, cheias de vinhedos, a quantidade de castelos aumenta em progressão geométrica, o nível dos carros que circulam sobe - Ferrari faz lama - e o preço dos pedágios são feitos pros donos desses carros.
Depois do lindo percurso chegamos ao nosso primeiro destino, Montpelier. Linda, linda!! Logo de cara nos deparamos com uma umas torres maravilhosas que pareciam ser de uma igreja, mas estavam numa ruazinha lateral na qual o carro não podia entrar, e estacionar carro na Europa é uma tarefa meio complicada. Observando melhor pela janela do carro a China anuncia: "geeente! Essa é a faculdade onde estudou o Nostradamus, eu tinha visto uma foto por internet." Então tá, vamos parar. Encontramos uma vaga para deficientes bem na entradinha da rua e concordamos em parar, descer pra tirar umas fotos e voltar rapidinho. Ok, já deu pra entender o final da história né? Nos encantamos com o lugar, tiramos 91327612987 fotos, acabamos entrando na igreja, e enquanto Pablo e China, como bons arquitetos que são, discutiam se a igreja era gótica, românica ou neo-qualquercoisa, eu e as girls nos lembramos do carro e começamos a caminhar em direção à vaga. Aí estavam os dois guardinhas franceses com seus bloquinhos. Aaargh! Intervimos, tentamos falar em algum idioma compreensível, fizemos gestos, explicamos que éramos turistas, que não sabíamos nada, que tivessem piedade de nós, mas não adiantou. 120 eurinhos de multa por estacionar em local proibido. Ainda sem entender muito bem examinamos o papel e concluímos que teríamos que pagar na mesma hora, senão a multa ia por correio e valeria quase o dobro do valor. Ê-laiá! Bem-vindos à França! Agora pense aí.. onde paga esse diabo? que p#@ra tá escrito nesse papel? quem demônios vai explicar alguma coisa pra gente? Seguindo o nosso instinto e o papel da multa fomos parar na polícia. No balcão uma moça. Inglês? Espanhol? Português? Cabeça da moça balançando horizontalmente e o desespero batendo. Mostramos o papel e ela e ouvimos atentamente a resposta. Aliás, olhamos atentamente a resposta e concluímos que teríamos que pagar em uma loja de Tabaco. Loja de Tabaco?? Whatahell?? Blackberrys em ação procurando endereços de loja de tabaco em Montpelier e GPS indicando o caminho.

Um parêntese pro nosso GPS que tinha uma voz feminina e falava mais do que devia. Ainda na estrada depois de ela dizer: "gire-a-la-derecha-y-siga-doscientos-y-cincuenta-kilometros", no meio da reta era mudava de idéia: "recalculando". Falava tanto que ganhou um nome. Batizamos de Lola.

Voltando à multa. Imagina aí 5 pessoas ansiosas por conhecer uma cidade e tendo que procurar uma loja de tabaco numa cidade pequena num dia de sábado à tarde, quase tudo fechado, sem poder pedir informação, com a Lola recalculando o caminho a cada esquina. O stress já estava tomando conta do nosso motorista nervosinho, Lola estava levando a gente pra uns lugares muito esquisitos, tipo uma zona industrial onde não havia absolutamente ninguém. Chegamos no suposto endereço da loja de tabacos e vimos um portão aberto com um estacionamento e um galpão com uma porta aberta que parecia ser um comércio. Descemos do carro eu e Kari quando entramos vimos que era um restaurante, bem grande, iluminado, com música ambiente e ninguém dentro. N-I-N-G-U-É-M. Nos entreolhamos, olhamos outra vez pro balcão pra ver se não vinha ninguém e começou a soar uma sirene super forte dentro do restaurante. A Kari grita: "Mieeeeerrrrrda! Vamonos de aqui ya!" Pense na carreira até o carro! Eu já tava esperando o mascarado com a serra elétrica, o gancho, ou o machado. Terror total.
Enfim, percebendo que desse lado da cidade a gente nunca ia encontrar uma loja de tabaco, seguimos em outra direção até que vimos uma de relance na rua perpendicular. "Páaaara o caaaarro e fica aí que a gente já volta" Eu e Kari outra vez entramos na bendita loja de tabaco, mostramos a multa pro moço que tentou explicar algo pra gente. Eis que surge uma cliente francesa que arranhava muito levemente o castellano e salvou nossa vida. A gente tinha que pagar ali mesmo, selar a multa e colocar numa caixa de correio. Ufa! Capítulo multa concluído. Montpelier aí vamos nós!

FOTO: MONTPELIER.

FOTO: FELIZES DA VIDA E SENDO MULTADAS.

FOTO: APONTANDO PRO CÉU.

FOTO: COMEÇANDO A MARATONA DA MULTA.

Estacionamos o carro bem direitinho dessa vez num estacionamento subterrâneo e baixamos as ruas do centro caminhando. A cidade é algo cenográfico. Nem muito grande, nem muito pequena. Um povoado do sul da França mas com uma sofisticação de cidade grande. Mais ou menos como uma mini-paris. Nos montamos num lindo carrossel de rua, passeamos por uma feirinha de livros usados ao ar livre, comemos crepes nas mesinhas charmosas dos cafés, andamos por uma rua de lojas muito lindas, babamos numa vitrine da Godiva, nos encantamos com as tulipas da floricultura. Tudo, muito, muito francês. Caiu a noite, hora de ir embora. Saindo da cidade passamos pela rua onde havíamos sido multados e reconhecemos o lugar: "Olhaí, agora tem várias vagas." Olhando outra vez, adivinha o que havia exatamente em frente à vaga de deficientes? Uma loja de Tabaco!!!!!!! Como dizem aqui: Puuuutos Franceses!!!! Nem pra fazer uma mímica pra facilitar nossa vida, dar alguma orientação. Respira fundo e segue.

FOTO: BOOKSELLING.

FOTO: NO MEU CAVALO BRANCO.

FOTO: CARROUSSEL.

Partimos pra Carcassone, lugar onde tínhamos nossa reserva de hostal. O hostal era um desses de estrada, igualzinho dos filmes. Mascarado-com-machado-feelings outra vez. Hehehehe! Principalmente porque quando chegamos já estava bem tarde, só se viam os carros estacionados, fizemos o check-in através de máquinas. Acomodamos as malas e pegamos o carro pra ir até Carcassone de verdade. A visão era de fazer esfregar os olhos e olhar outras vezes até acreditar. Um castelo, lindo, perfeito! Um conto de fadas da Disney de verdade, com aquelas torres exatamente como a gente imagina um castelo, aquele muro com aquela forma exatamente com a gente imagina um castelo, aquele fosso que a gente sempre imagina que tem um castelo, aquele portão que eleva, aquelas grades de ferro... eu nem me surpreenderia se tivesse um dragão dormindo na entrada. Outra vez ninguém nas ruas. Uma lua cheia no céu, uma iluminação linda. Subimos caminhando por entre as muralhas e passando por diversos portais eis a surpresa: dentro da muralha não havia só um castelo, havia uma cidade. Casinhas e casinhas, algumas lojinhas e restaurantes fechados ou fechando. Eu conseguia quase enxergar os campesinos passando com as carroças, os vestidos longos das mulheres, soldados...
Quase ninguém, silêncio total. Encontramos pracinhas, escadarias, poços eeeee um bar aberto! Iupii! Entramos e fomos recebidos pelo garçom mais bêbado da história dos bares do mundo. Tão bêbado que entendeu tudo o que a gente queria, perguntou de onde a gente era e depois da resposta começou a gritar: "Barcelona!! Clap, clap, clap! Barcelona!! Clap, clap, clap!" Pedimos um vinho e uma tábua de queijos, mais deliciosos impossível. O clima estava perfeito, o lugar parecia perdido dentro do castelo mágico, da noite mágica. Pedimos outra garrafa de vinho, e outra e a coisa foi animando. Eis que começa a tocar algo parecido com uma salsa e a Kari resolve ensinar o Pablo a dançar. Um senhorzinho da mesa de italianos se empolga e levanta, puxa uma pra dançar, puxa a outra, puxa duas ao mesmo tempo, depois as outras duas. Em pouco tempo tava todo mundo dançando no barzinho mínimo. Como o aniversário da Kari estava chegando e o Pablo iria viajar nessa data, ele teve a brilhante ideia de ir até o balcão e voltar com cinco copos de caipirinha para comemorar por antecipação. Tomamos a tal caipirinha e a mistura com o vinho foi explosiva, nos 'emborrachamos' instantaneamente. O garçom, que estava a anos-luz na nossa frente, fechava a conta de outras mesas e trazia pra nossa a cerveja que deixavam. Nesse momento Flor Maria, que acabava de chegar da Venezuela com uma auréola na cabeça, já estava brindando de cinco em cinco segundos. Quebrou umas três taças com a delicadeza dos brindes, e sempre que via que eu tava rindo do seu grau de alcoolismo ela colocava o dedinho nos lábios e fazia: ssshhhhhh! Como quem diz "fica só entre nós". A Chinita até bêbada é natureba, tava roubando umas bananas que estavam fazendo Deus-sabe-o-quê na janela ao nosso lado. De repente Flor se dá conta da existência de uma mastro de pole dance no meio do bar. Ai papai! A menina sobre e começa a descer girando, a China se empolga e vai junto, o Pablo se mete no meio pra ajudá-las a subir. Eu a Kari, as únicas ainda em condições de vida a morrer de rir e a fotografar a cena - Hora de ir embora que o bar vai fechar - fui ao banheiro antes de sair, e de repente escuto umas batidas na porta. Era a Karina: "Clarita, vamonos!" me diz ela com um riso meio desesperado, "Clarita, apurate que esta pasando algo aqui afuera". Quando eu saí não acreditei no que eu vi. O garçom estava completamente nu correndo pelo bar. China só fazia rir e posar ao lado do peladão pras fotos que o Pablo tava tirando. Eu e a Kari tiramos de uma vez os loucos do bar, aos gritos, com medo do louco pelado. Descemos as ruazinhas de pedra na maior risadaria do mundo, no meio do caminho encontramos dois madrilenhos escritores e viramos melhores amigos por dez minutos. Olhamos pra lua linda e cheia iluminando a cidade medieval totalmente escura e silenciosa. Simplesmente mágico.
Na volta pra casa a Karina foi dirigindo porque nosso Pablito estava em zero condições. A China já estava enjoando, enquanto tirávamos o carro da vaga ela corria feito uma louca pra lá e pra cá pra não enjoar de vez. Eu fui no banco de trás entre meus dois borrachitos, Pablo e Flor, tentando manter-los acordados. E eu não sei se a Lola tinha bebido algo também, mais o fato é que em algum momento caímos numa estrada de areia dentro de uma campo de trigo e ela não parava de recalcular o bendito caminho de volta. A noite em uma palavra: surreal.

FOTO: NO CONTO DE FADAS.

FOTO: QUEIJOS E VINHOS.

E VINHOS

E VINHOS

E VINHOS


Acordamos no outro dia relativamente cedo, mas com uma baixa: Chinita. Nossa ferida de guerra já teve hepatite e não pode beber muito porque acaba se sentindo muito mal. Pablo e Flor foram até uma farmácia comprar dramim. Mas como seria mesmo dramim em francês? "Ah, sei lá. Diz a composição química que com certeza eles sabem. É diminidrinato." Meia hora pra decorar: Di-mi-ni-dri-na-to. Voltaram um tempão depois com as mão vazias. Os puuuuutos franceses não só não entenderam o que era diminidrinato, como também não quiseram entender as mímicas pra ressaca, não deram nenhuma sugestão de nada. Eu ainda ofereci uma das bananas roubadas que encontrei na minha bolsa, mas a China só queria água e nada mais. Partimos pra Toulouse com ela bem caladinha no carro, pedindo pra parar cada vez que enjoava.

Toulouse é uma das cidades mais importantes da França, uma das maiores da região sul. Com um centro de estudos espaciais, sede da Airbus, além de ser um ponto importante da peregrinação de Santiago e de receber muitos turistas. É conhecida como a cidade cor-de-rosa, pela cor das construções, que são quase todas em tons de rosa e alaranjado. Caminhamos pelas ruas e vimos os canais. O domingo estava ensolarado e muitos franceses estavam nos gramados tomando um solzinho. Depois de uma maçã verde a China já estava mais disposta e feliz, saímos fotografando tudo, rindo de tudo. Eu aproveitei pra provar uma das especialidades gastronômicas de Toulouse, o Cassoulet, que é uma espécie de feijoada feita com feijões brancos e que leva além da carne de porco, carne de pato. Delícia!! Mas vou dizer, o Cassoulet do tio Pedro não deixa a desejar em nada pro original.

FOTO: PRONTA PRA VIAJAR.

FOTO: TOULOUSE.

FOTO: NA PRACINHA.

FOTO: CASSOULET.

FOTO: MY GIRLS.

FOTO: VENDO A CIDADE COR-DE-ROSA.


Depois da comidinha tomamos nosso rumo a Barcelona guiados por Lola, felizes de aproveitar tão intensamente dois dias. Uma viagem linda como não pode deixar de ser uma viagem à França, n'est-ce pas?

2 comentários:

  1. Que enorme vontade de ter conhecido Carcassone e todas estas maravilhas contigo.
    Saudade, Clarita!

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  2. Clarinha adooooro ler suas histórias!!!
    parace que to junto com vcs... ahahha
    saudades
    bjos

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